A avalanche de informações da internet impede leitura e pensamento em profundidade.
Nos
últimos anos tenho tido um sentimento desagradável de que alguém, ou
algo, tem brincado com meu cérebro, remapeando meu circuito neural,
reprogramando minha memória. Não estou perdendo a cabeça, mas ela está
mudando. Mergulhar em um livro ou longo artigo costumava ser fácil.
Agora minha concentração começa a se dissipar depois de duas ou três
páginas.
Acho que sei o que está acontecendo. Tenho passado
longas horas online. Como escritor, a internet é um presente dos
deuses. Para mim, como para outros, a web está se tornando um meio de
comunicação universal, o conduíte para a maioria das informações que
passam por meus olhos, meus ouvidos, até minha mente. Mas essa bênção
tem um preço. Os meios de comunicação não são apenas canais passivos de
informação, disse Marshall McLuhan na década de 1960. Eles fornecem o
material para o pensamento, mas também modelam o processo de
pensamento. E ao que parece a internet está estilhaçando minha
capacidade de concentração e contemplação.
Para Maryanne Wolf,
psicóloga do desenvolvimento da Universidade Tufts, "não somos somente
o que lemos. Somos como lemos." A leitura profunda não se distingue do
pensar em profundidade. O estilo promovido pela internet, de eficácia e
imediatismo acima de tudo, pode estar enfraquecendo nossa capacidade de
leitura profunda. A internet agrupa a maioria das tecnologias
intelectuais. É mapa e relógio, impressora e máquina de escrever,
calculadora, telefone, rádio e televisão. Quando absorve uma mídia,
essa mídia é recriada à sua imagem. E sua influência não termina na
tela do computador. Quando a mente das pessoas se sintoniza com a louca
colcha de retalhos da internet, a mídia tradicional tem de se adaptar
às novas expectativas do público.
Como nas fábricas, a internet
é uma máquina projetada para coleta, transmissão e manipulação da
informação de forma eficiente e automatizada. O Google procura
sistematizar tudo que faz. Coleta todos os dias dados comportamentais
em sua máquina de busca e os usa para refinar os algoritmos que
controlam cada vez mais como as pessoas encontram informação e extraem
sentido dela. Para a empresa a informação é uma commodity que pode ser
obtida e processada com eficiência industrial. Tenta até "construir
inteligência artificial e fazer isso em escala industrial", diz Larry
Page, um de seus fundadores. Ele assume que todos estaríamos em melhor
situação se nosso cérebro fosse complementado, ou mesmo substituído,
por inteligência artificial, o que é perturbador. Isso sugere que a
inteligência é resultado de um processo mecânico, uma série de passos
que podem ser isolados, medidos e otimizados. No mundo Google há pouco
espaço para contemplação. Ambigüidade não é uma abertura para a o
insight, mas um vírus a ser consertado. Quanto mais rápido surfarmos –
quanto mais links e páginas acessarmos –, mais oportunidades o Google e
as outras empresas têm para coletar informação e nos alimentar com
publicidade. A última coisa que elas querem é encorajar a leitura
prazerosa ou o pensamento lento e concentrado. Está em seu interesse
econômico nos levar à distração.
O surgimento de novas
tecnologias sempre tende a levantar suspeitas. Platão criticou a
palavra escrita. Havia quem acreditasse que a disponibilidade de
livros, depois de Gutenberg, levasse à preguiça intelectual. Portanto,
deve-se ser cético quanto a meu ceticismo em relação à internet. Talvez
brote das mentes abarrotadas de dados uma era de ouro de descobertas e
sabedoria universal. Mas sou assombrado pela negra profecia de Stanley
Kubrick no filme 2001- Uma Odisséia no Espaço: quando passamos a
depender dos computadores para mediar nossa compreensão do mundo, é
nossa própria inteligência que se achata ao nível da inteligência
artificial.
Nicholas Carr,
extraído de artigo publicado na Atlantic